quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Pastoreio.




Não basta, meus caros senhores e damas de respeito, para dar a ler a alma, debitar um punhado mal mastigado de palavras bonitas, airosas e eruditas.

E quem vem por aí dizer e argumentar filosofica e cientificamente (tão mais que tanto mente), que lê o espírito sagrado, intimo, secreto da pessoa, numa meia dúzia de palavras fingidas que mastiga e cospe poeticamente num blog, mais analfabeto é que o pastor lá da Terra Fria, que mal sabe articular um som como imagem do seu fio de pensamento puro.


Antes ser pastor e ler o mundo nas nuvens!




Ou ler o seu próprio mundo nas palavras emprestadas a um qualquer poeta.






E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as dores que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
- F. Pessoa, Autopsicografia

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Corpo.




O sabor salgado de um corpo mal amado
é tão mais doce que o mais doce pecado.
Esse corpo amorfo, obsceno, esgazeado,
não mais quer ver do que ser tocado
em deleite galopante no epiderme gelado.













Que mais é a alma, que não um corpo condenado?





Tem tanta pressa o corpo! E já passou,
quando um de nós ou quando o amor chegou.
- Jorge de Sena

terça-feira, 16 de novembro de 2010

(já) É tempo!



É tempo de luta e tempo não há p’ra lutar!
E tempo e luta que não temos, comem eles ao jantar.
Morre o Povo à fome e fome p’ra lutar!
Cautela filhos do homem aí no altar.


Filhos da Terra, tempo é de cantar!
Abril não colhe frutos, há que os plantar.
O tempo urge no seu esperar.
Vem nobre português com coragem de mar!


De peito aberto, galga os lajedos;
De haste em punho, contra torpedos;
Corta o silêncio, destrói vãos enredos;
Anda Povo, marchar sem medos!







Aqui te afirmamos dente por dente assim
Que um dia rirá melhor quem rirá por fim
Na curva da estrada hà covas feitas no chão
E em todas florirão rosas de uma nação.
- Zeca Afonso, "A morte saiu à rua"



domingo, 14 de novembro de 2010

Le Fabuleux Destin d'Amélie Poulain.




"-Sans toi les émotions d'aujourd’hui ne serait que la plus mort des émotions d'autre fois!

-Billets s'il vous plaît."














"Le temps sont durs pour les rêveurs."

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Questão de tempo.



Ansiei um passado
que o presente não espera
que venha a ser futuro escrito em búzios embruxados.


Esse presente

que pertence ao passado,
 esperando fazer dele futuro (nem ele sabe bem quando),
 é meu agora.
E já passou. 




É tempo de acertar o tempo.







O tempo perguntou ao tempo
Quanto tempo o tempo tem.
O tempo respondeu ao tempo
Que o tempo tem tanto tempo
Quanto tempo o tempo tem.

sábado, 6 de novembro de 2010

Juliet.



"They may seize
On the white wonder of dear Juliet’s hand
And steal immortal blessing from her lips,
Who, even in pure and vestal modesty,
Still blush, as thinking their own kisses sin."


-William Shakespeare






quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Mal maior.




Trazer ao peito muitos corações não sincronizados, faz mal ao Coração.





Sentir demais é um mal maior.

domingo, 24 de outubro de 2010

Já não se escrevem cartas de amor.







Hoje já não se escrevem cartas de amor.
Não por serem ridículas, mas porque ridículo seria escrever-se uma carta.


De qualquer forma, o que é que tinhamos nós p'ra escrever?

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Pardonne-moi.








Pardonne-moi, mes lèvres ne sont pas plus a toi.


quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Devia?




enquanto brinco distraída com a lua
numa noite quente e adocicada,
o vento suspirante traz o teu eco ao meu corpo embriagado…
e eu não fecho a janela.

mas devia.




















Though you and I both know it's only the warm glow of wine...





sábado, 16 de outubro de 2010

C'est la vie chéri!



Brindamos com cálices de ouro no efusivo som de risos constrangidos,
 batôm rouge,
trapos caros,
charutos obscenos, 
restos de caviar
e mesquinhez.








C'est la vie chéri!




terça-feira, 12 de outubro de 2010

Quase...



quase acreditei que também tinhas saudades... mente-me descaradamente e diz-me que quase morres com elas presas ao peito! tem piedade da minh'alma! só para eu poder sorrir um bocadinho e acreditar, num perfeito estado de  loucura embriagada, que eu e tu meu amor não fomos fruto de um qualquer sonho.

Obrigada.
















i (still) believe in memories.

sábado, 25 de setembro de 2010

Tentativa de definição de saudade.





"Tenho razão de sentir saudade,
tenho razão de te acusar.
Houve um pacto implícito que rompeste
e sem te despedires foste embora.
Detonaste o pacto.
Detonaste a vida geral, a comum aquiescência
de viver e explorar os rumos de obscuridade
sem prazo sem consulta sem provocação
até o limite das folhas caídas na hora de cair.

(...)

Sim, tenho saudades.
Sim, acuso-te porque fizeste
o não previsto nas leis da amizade e da natureza
nem nos deixaste sequer o direito de indagar
porque o fizeste, porque te foste."

ANDRADE, Carlos Drummond de, A um ausente








saudade (sa-u) , s.f. melancolia causada pela lembrança
de um bem de que se está agora privado;
mágoa que se sente pela ausência ou desaparecimento
 de pessoas, coisas, estados ou acções;
pesar; nostalgia; lembranças.



sexta-feira, 17 de setembro de 2010

(Des)amores.



A monogamia apaixonou-se loucamente pela poligamia que por sua vez se enamorou da bigamia.
Peripécias amoroso-românticas à parte, no final não feliz como o dos filmes lamechas, todas se dedicaram à castidade.




 E viveram (in)felizes para sempre.



quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Se isto fosse alguma coisa...




se isto fosse alguma espécie de convite, meu amor que não és meu, então eu convidava-te.



não passando de vagos e oníricos desejos, nascidos sob a lucidez de um estado delirante, deixo-os amargar só os meus lábios que podiam ser teus e esvaziar mais ainda as minhas mãos tuas...





se tu soubesses quantos convites deixaste por fazer! se tu soubesses... e eu to dissesse.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

February stars.






És uma realidade indefinida da qual restou em mim um travo agridoce a lamechice e um livro de poemas.







I'll be right here, beneath the February stars...



quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Pão nosso.




"E vieram dizer-nos que não havia jantar.
Como se não houvesse outras fomes
e outros alimentos.
Como se a cidade não nos servisse o seu pão
de nuvens."



ANDRADE, Carlos Drummond de, "Estampas de Vila Rica, IV / Hotel Tollofo"






O pão nosso de cada dia nos dai hoje.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Assim seja.




a utilidade de um suspiro nao é mais que a de um copo de leite derramado.


e no entanto suspiramos (e continuamos a derramar leite) todos os santos e leigos dias.










- Assim seja agora e até ao fim dos nossos dias.

domingo, 29 de agosto de 2010

Matematização.







Tudo é matemática.
Tudo é frio
Insípido
Calculista.







Amor é uma divisão
Entre muitos
E uma multiplicação
De resultado nulo.







Um bater de coração
É um número:
Digito sério
Sem possível comoção.



Ensurdecedor!



domingo, 15 de agosto de 2010

Quem (não) disse...?



Mas quem disse ao céu que podia chorar?
Quem disse ao sonho que podia mandar?
Quem disse à morte que nos podia levar?
Quem disse ao amor que podia dançar?
Quem disse ao poeta que podia voar?
Quem disse ao mundo que podia girar?
Quem disse à criança que podia brincar?
Quem disse à loucura que podia entrar?


E quem não disse?

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Quoi?



que est que c'est ça dans mes bras?
un petit coup d'air chaud...
j'embrasse que ça, ma croix:
j'écris, je parle mais as pas des mots.









"(...)c'est un pari que j'ai du faire dans une autre vie miserable."


quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Fico.




Nunca parto inteiramente.
Há um eu que fica sempre.
Fico eu comigo ausente.


(e contigo que voltaste.)






Mas eu só sei ver que o tempo já passou e eu fugi.


sexta-feira, 30 de julho de 2010

Calados.



Por entre todo o barulho das conversas da noite, não falámos.

Ou eu é que não quis ouvir o teu silêncio?







e tu foste embora mais cedo.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Convite.



- Estava a pensar... Talvez um café, um qualquer dia destes?
(E nem o vento aceitou o convite.)






cá estamos nós outra vez, desta vez sem ti.

terça-feira, 27 de julho de 2010

Mas palavras?




mas palavras...


poderia trazê-las todas no meu peito
mas p'ra quê?
o céu continuaria imperfeito.


poderia falar, escrever horas a fio,
gastar cada uma
e mesmo assim estaria frio.


poderia encher folhas e mundos,
fazer delas o pão nosso,
nem assim enchia os fundos.

palavras, mas...





já cá não estás p'ra lhes dar sentido.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Saberes.





talvez eu saiba quem tu és.
(um dia dei-te c'os pés)
ou sempre o soube e não o quis.
(sim, eu sei o que fiz)
e acabo por não o saber.
(poderás tu compreender?)



é só o nada a bater-me à porta ; algo teu.

terça-feira, 29 de junho de 2010

Morning yearning.





Acordou submersa num mar de lençóis com um cheiro que não o seu e ao lado de um corpo ainda adormecido de um estranho.
Devagar assimilou toda aquela imagem e sem barulho saiu por entre as nesgas de sol que iluminavam o seu quarto agora apoderado pela criatura desnudada e que ressonava barbaramente e de boca aberta
Foi sentar-se na varanda. Aquele sol quente fechou os olhos ainda com sono e o vento matinal, ainda fresco, arrepiou-lhe a pele. E sorriu. Num espasmo de memória reviu a noite anterior. 
Mas uma outra memória roubou-lhe as lembranças ainda mornas. E naquela manhã sem sabor, a saudade veio submergi-la no seu manto amargo. Ela era mais uma vitima do Outono e nem o Verão, que ocupava agora a sua cama a fazia ceder.
Foi então que o telefone tocou. Sabia quem era mas não afastou os olhos das casas lá longe. Até que parou e foi desligá-lo mesmo tendo o coração nas mãos por o fazer assim friamente.
Entrou de novo.
- Bom dia. Quem era?
- Ninguém, ninguém. Era engano.
E o estranho agora na sua sonolência desperta beijou-a e sorriu. Depois perguntou:
- Torradas?
Ela não pôde deixar de sorrir e acenar que sim. Ele saiu em direcção à cozinha e ela ali ainda, provou o travo agridoce da liberdade daquela manhã saudosa.
E até comeu as torradas abraçada ao estranho. E não lhe souberam nada mal.




My morning yearning...

domingo, 27 de junho de 2010

Amor, amor!



Filme de amor com beijo no fim, em tecnicolor
(sem a parte da cor)







O amor é ridículo; mas mais ridículo é aquele que evita cair na sua ridicularização.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Contas.





era só uma questão de números meu amor

( e eu que nem gosto de matemática ).
na divina magnitude da nossa medida
essas contas não contam.




eu + tu = nós, e isso basta-me

domingo, 13 de junho de 2010

Existências.






A razão de existir de um poeta prende-se com a razão de existência de laços entre palavras.

E filho dos dois (in)condicionais amantes, nasce o poema.








"-Mãe,  também posso ser ser poeta?"




quinta-feira, 10 de junho de 2010

Febre.



Esta cabeça a fervilhar de ideias
está a apoderar-se de mim
e estas mãos, de vazio cheias,
prendem estes lábios de marfim.
Não canso as palavras que trago
acolhidas como filhas no peito.
disponho-as nuas e estrago
a solidez de um passado desfeito.
A minha paz tornou delírio sadio
da viagem por oníricos mares,
em que repousei o meu fastio
e os suspiros sem ares.
E padeço desta súbita onda febril
que me arranca os olhos já fechados
e me queima a clarividência pueril,
deixando-me os sentidos prostrados.


quarta-feira, 9 de junho de 2010

adeus, não afastes os teus olhos dos meus.




"adeus, não afastes os teus olhos dos meus."
não vás,
mas larga os laços meus
e traz o tempo p'ra trás.







isto não é um convite.

sábado, 5 de junho de 2010

chegada das partidas.



- adeus então, que me não vou embora.

- pois então adeus, se aqui ficas comigo.



e algures, alguém gritou: não vás!






E que é que isso interessa?



quinta-feira, 3 de junho de 2010

D.



era por ti que eu procurava quando me olhava ao espelho.
por várias vezes tentei passar para o outro lado,
mas acabei por encontrar-te do lado de cá.
talvez estivesse escrito num qualquer fado
ou então nas curvas que o acaso dá.




D, é letra para uma só palavra.







terça-feira, 1 de junho de 2010

Chuva.

soube bem a chuva seca que molhou o chão ressequido e a pele queimada do sol. encontrou-me no meio de uma qualquer rua já "evacuada" perante a ameaça de nuvens mal humoradas. pensei em salvar-me também, mas p'ra quê? deixei-me ficar ali e quando choveu fechei os olhos, abracei-me e deixei-me molhar e dar de beber a esta pele sedenta. e a terra, saciada, suspirou comigo. deixei-me ceder àquele pequeno grande prazer e deixei que as gotas do pecado beijassem avidamente o meu corpo quase moribundo. ai de mim, a quem Deus já não perdoa. nem a água do céu dá paz a este espírito que arde já num inferno que anda aqui sempre comigo.

e no meio de tal deambulação da Razão, perguntei-me em voz alta: "que estás a fazer?" e sem esperar resposta agarrei em mim e corri p'ra casa. (só não sei porquê)




domingo, 30 de maio de 2010

Assim.



Não encontrei razões racionais que me levassem a tentar descortinar o que nos envolve e revolve abruptamente nesta volúpia de corpos inertes. Nem senti sequer que devia abrir a janela e olhar lá para fora e ver o fantástico que é o mundo moribundo. Não achei mesmo necessário impedir a sua partida absolutamente estática perante o meu olhar desmesurado.





Não. Deixei-me ficar só assim, envolta nos teus (meus) braços.




sábado, 29 de maio de 2010

Aconteceu.





Não era suposto, mas aconteceu(-nos).


E nem demos por nada!






"Eu estava ali só porque tinha que estar
e tu chegas-te porque tinhas que chegar."

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Constança.

o sol queimava aquela pele de Inverno, nas escadas onde esperava. trazia vestido florido e lábios secos, mais um nervoso miudinho que fazia cocegas na barriga. esperava, perante o amontoado de gente que não tinha tempo para esperar e subia e descia as escadas sem reparos, suspiros ou ais. Constança esperava ora tendo as mãos guardadas no regaço ora segurando o queixo, numa clara atitude de aborrecimento e ansiedade. e a cidade quente e sonolenta não a ajudava. mas esperou ali até esmorecer a tarde soalheira e se fecharem os olhos à cidade e à pobre moça por uns instantes. já o sol lhe não beijava a pele agora queimada e Constança levantou-se, cruzou os braços e foi-se embora.

- porque esperas-te a tarde toda por alguém que não chegou, Constança?

- marquei encontro comigo mas acho que não quis aparecer... sou um bocado timida.


e fiquei muito tempo com cara de parva a olhar para aquela criatura de Deus.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

percebes?

seria insensato afirmar que não quero, mas cruel dizer-te que te quero numa loucura sôfrega.


mas é que eu não quero querer-te.



é como dizer que não está vento neste esvaziar de dia, mas ver as árvores dançar estaticamente na plena liberdade de movimentos delas.



vá lá alguém perceber estas linhas de pensamento (irracional) desalinhadas e completamente inúteis do ponto de vista filosófico.



não tens de fazer sentido, só tens de te abster de pensar numa linha recta sem fim e sem graça. salta, estremece, cai, faz-te de morto e grita: tudo ao mesmo tempo. e já agora, diz que me queres, mas sem me quereres, se não vou pensar que sou eu que estou tolinha. percebes?





ah! e muda essa cara de parvo que fazes ao ler isto. estas a chatear-me. obrigada.

domingo, 9 de maio de 2010

"(...) mas queres ficar?"








"Mais um dia em vão no jogo em que ninguém ganhou



Dá mais cartas, baixa a luz e vem esquecer o amor



És tu quem quer



Sou eu quem não quer ver que o tudo é tão maior



Aqui está frio demais para apostar em mim.



Vê que a noite pode ser tão pouco como nós



Neste quarto o tempo é medo e o medo faz-nos sós



És tu quem quer



Mas eu só sei ver que o tempo já passou e eu fugi



Que aqui está frio demais para me sentir... mas queres




ficar?



Queres levar



Tudo o que é meu



É tudo o que eu



Não sei largar







Vem rasgar o escuro desta chuva que sujou!



Vem que a água vai lavar o que me dói!



Vem que nem o último a cair vai perder."



Tiago Bettencourt, "O jogo"