"-Feche a janela que está a começar a chover."
E contudo a velhota não a fechou, nem se moveu. Ficou a ver a intempérie que se abatia sobre um mundo tão velho e cansado que já nada fazia para se abrigar, que já nem sequer fechava a sua janela, nem tão pouco se movia perante o caos que nele reinava.
"-Minha mãe, feche a janela que ainda apanha uma pneumonia!"
Mas as mãos rugosas, caídas no regaço da velha senhora não se moveram. Aquele vento gélido e aquela chuva agreste que lhe batiam no rosto crespo de quem muito já havia vivido, faziam-na sentir um sopro de vida que lhe fazia esquecer alguém por que esperava.
"-Avó, que está a fazer?! Não vê o temporal que está a deixar entrar?! Feche a janela!"
Mas p'ra quê fechar a janela que tanto estimava? Era dali, daquela cadeira de baloiço adormecida colocada estrategicamente e não sem esforço perto daquela janela, que aquela idosa partilhava da velhice e do definhar de um mundo ainda mais velho e rugoso que ela. Não ia fechar a janela, mesmo que os seus membros desengonçados ainda o permitissem. Já não sentia os dedos tortos (que as artrites, quando se é velho, não poupam ninguem), já batia os poucos dentes que tinha e tremia mais ainda do que quando estava a bordar. Mas não se moveu, não soltou um suspiro nem chamou pela filha nem pelos netos. E a tempestade não dava tréguas, nem à pobre velhota! Gritou, bateu, rosnou, uivou, atacou com todas as forças aquela janela (que por sinal se aguentou bem). E a velhota lá estava a arcar com ela, ou melhor, a aceitar o convite do mundo que com ela queria partilha-la . Afinal, nunca se deve rejeitar um convite de um velho.
"-Mãe! Não acredito que está aqui nesta ventania e toda molhada! Está louca!" - e a filha da velha senhora foi finalmente fechar a janela.